Se alguma coisa de bom Donald Trump fez terá sido a decisão de retirar os Estados Unidos da guerra no Afeganistão. A reunião que ocorre hoje, entre Talibãs e membros do atual governo afegão sugere, não necessariamente uma paz duradoura (pouco provável), mas sim o pretexto para Washington desvencilhar-se de uma aventura mal sucedida.
Observa-se que a maior potência militar do planeta parece ter sido derrotada por um país próximo à Idade da Pedra. Depois de quinze anos de combate diário, após atingir um contingente de 200.000 soldados nos campos afegãos, Washington joga a toalha.
Após uma sequência de conflitos em terras Orientais, desde o Oriente Médio à longínqua Ásia, o colosso norte-americano parece chegar à conclusão que a imposição armada de sua vontade não mais se justifica; nem a perda de imagem, nem o custo financeiro e, menos ainda, as perdas de vidas humanas.
Enquanto a guerra do Vietnam em boa parte encontrava sua justificativa na “teoria do dominó”, onde a queda de um pais no Sudeste asiático sob o jugo comunista levaria os países próximos ao mesmo destino, verificou-se, a posteriori, que a tese não se sustentava nos fatos. A intervenção militar norte americana no Vietnam do Sul iniciada em 1955 e, posteriormente tornando-se guerra contra o Vietnam do Norte, só terminou em abril de 1975 quando Saigon caia sob as catracas dos tanques comunistas. (¹)
Veio o Século XXI trazendo consigo um novo formato militar. Abandonando o recurso à conscrição impositiva, o Pentágono reformulou os seus exércitos, passando do exército-cidadão para o exército profissional. De fato, novo processo inicialmente atenuou a oposição popular às guerras mas a insuspeita duração dos conflitos e seu peso fiscal esgotou a paciência da sociedade.
Hoje, o gosto amargo do insucesso ensina que, na guerra, nem o capital nem a tecnologia bastam para vencer um inimigo determinado, impelido por ideologia e resiliência cultural, seja ela política ou religiosa. A resistência inesperada alonga o tempo e o custo do conflito tornando-se chaga aberta no psique do povo americano.
Ignorando os ensinamentos do sábio estrategista Sun Tzu, o Pentágono parece ter desprezado o compendio que deveria ser leitura obrigatória para os generais do Pentágono: “conheça seu inimigo, conheça a terra, conheça a chuva, o vento...” Mergulhando em piscina desconhecida descobriu nela não a água transparente que esperavam, mas, sim, um caldo cultural insuspeito, grosso, resistente, pegajoso e tóxico.
Nesta guerra assimétrica pouco valeram as super bombas, os super aviões, os super tanques, os super homens (cuja estatura média seja, talvez, o dobro do escorregadio inimigo). Nas três guerras em que os Estados Unido não atingiram seus objetivos, a Vontade das “raças inferiores” superou a Tecnologia, a Riqueza. Pecaram, ainda, pela insensibilidade política ao jogar fora, ano após ano, as jovens vidas de seus soldados-cidadãos, perdidos em campo de batalha incompreensível, exótico, misterioso. Os “casus belli” não justificavam as enormes perdas. Nem no Vietnã (²), nem no Iraque (³), nem no Afeganistão (4).
Por consequência da paz que agora busca a Casa Branca, finalmente constatando o desastre repetido, ter-se-á uma indagação: para que serviu a delapidação financeira próxima ao trilhão de dólares quando o uso judicioso de tais recursos, mediante programas de aproximação econômica e política, trariam por prêmio a convergência com os governos anteriormente tidos por inimigo?
Foram “wars of choice” e não “wars of need”, onde o Leviatã, dominado pelo húbris, hoje depara-se com o retrato de Dorian Grey (5), revelando a cruel realidade até então insuspeita.
OOOOOOO
1) Contrariando a justificativa para o envolvimento americano, após a vitória de Hanoi os demais países da região não sucumbiram ao comunismo mas, sim, mantiveram sua identidade capitalista.
Vietnam: 153.000 feridos e 58.000 mortos.
Iraque: 22.700 feridos e 4.600 mortos
4. Afeganistão: 20.000 feridos e 2.400 mortos
5. livro de Oscar Wilde, escritor irlandês.
2 comentários:
Parabéns Pedro, sempre muito bem colocadas as suas observações.
Abs
Elenice Milani
Obrigado, Elenice
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