sexta-feira, 24 de abril de 2020
Tempos de Cassandra
Custou mas aconteceu. Escravo de seu incontido quadro psicológico, Jair Bolsonaro, ha tempos incomodado com a inflexível ética de seu ministro da Justiça, arquitetou seu afastamento. . Confrontado com o fait accompli de Bolsonaro ao demitir o chefe da Polícia Federal (camuflado de " pedido de demissão") o ministro negou sua anuência ao constatar, nesta manobra, a politização da Polícia Federal no combate à corrupção. Não havia escolha senão a demissão.
Atormentado pelo comportamento suspeito de seus parentes o presidente vem manobrando para o enfraquecimento da capacidade investigativa da polícia. A tentativa de emasculamento do COAF, o não veto à criação do Juiz de Garantia, a conivência na passagem da debilitada legislação anti-corrupção, e, agora, com o afastamento do Diretor da Polícia Federal, revela toda uma tendência permissiva do Presidente, diretamente contrária às suas promessas eleitorais..
À este quadro soma-se, ainda, a popularidade do demitido Sergio Moro, bem como a autoridade moral que dela decorria, criando no psique de Jair Bolsonaro um eventual concorrente à presidência na futura eleição. Condição inaceitável, a ser neutralizada. Razoável supor-se que o contencioso sobre o Diretor Valeixo teria, também, por objetivo livrar-se o presidente de seu futuro concorrente.
Além de forçar a demissão de Sérgio Moro, nome responsável pela vibrante vitória eleitoral de Bolsonaro, este vem demostrando um governo impulsivo, tanto na indicação quanto na demissão de seus assessores. Até o momento, oito ministros de relevância já foram defenestrados em pouco mais de um ano. O Brasil, atônito, assiste neste momento de profunda crise, tanto sanitária quanto econômica, um presidente embaralhando suas prioridades.
Este incidente, de extrema gravidade, revela a incapacidade de Bolsonaro de dar ao governo estabilidade, equilíbrio e ética que a Nação exige. Prudente não ignorar-se a possibilidade, senão a probabilidade, de semelhante conflito envolver o Presidente com o Ministro da economia, Paulo Guedes. Talvez possa se dizer que este foi o ponto de inflexão do Governo Bolsonaro.
Nada menos aconselhável do que previsões políticas, porém nada mais fascinante. Caindo na tentação, esta coluna prevê que o presidente se cercará, cada vez mais de políticos, técnicos ou, simplesmente pessoas conhecidas que lhe hipotequem total lealdade. Aqueles que hoje não atendam a estes requisito, serão substituídos, sejam eles civis ou militares. Se não houver reação contrária, Bolsonaro tentará substituir, paulatinamente, o estamento militar, buscando sua obediência ou neutralização.
Com esta configuração, o governo tenderá ao autoritarismo popular, isto é, buscando o apoio crescente do "povo" mediante medidas econômicas distributivas. Uma especie de Peronismo ou Chavismo de direita, cujo antídoto dependerá de uma pronta reação do empresariado e das elites civis, com o respaldo do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Esta previsão nada mais é do que um jogo adivinatório, que, como Cassandra, prefere previsões sombrias. Mas talvez valha como provocação à reflexão.
domingo, 19 de abril de 2020
"EU corro o risco"
É um momento de embate
ideológico. Até o corona virus foi cooptado. Enquanto uns o
considera um risco mortal, outros o vêm como uma gripe forte ou,
até, uma gripezinha. Enquanto uns advogam um severo isolamento,
outros não acreditam em perigo maior perigo no contato. Enquanto uns
privilegiam as medidas recomendadas pelas entidades médicas e
científicas, outros priorizam medidas de retomada econômica à
custa do isolamento prudente. Uns defendem a recomendação oficial
de remédios exóticos, outros defendem a receita médica e
comportamental seguida pelos países já afetados.
Pelo andar da
carruagem, o Brasil está se tornando, novamente, um país ideológico
(Lula, Dilma?), passional e dividido. O bom senso, aparentemente,
está sob isolamento. Sobretudo nos andares superiores da República
E o líder da facção
contestatária, negando a razoabilidade do isolamento, é o senhor
presidente da República. Em pronunciamento público à televisão
Jair Messias Bolsonaro declara desejar abrir o comércio e o
consequente fim do isolamento :
“Abrir o comércio
é um risco que EU corro, se agravar (sic) vem para o MEU colo.”
Tal declaração revela
um profundo e preocupante alheamento da realidade. Não pela opinião
expressa mas por não mencionar, sequer, o perigo exponencial que tal
decisão traria para o povo. Revela, nesta frase, pessoa obcecada por
si próprio, que se reconhece como o único protagonista a ser
envolvido nas consequências advindas de sua escolha. Individualiza o
interesse pessoal relegando à insignificância qualquer outro ator
envolvido. Nesta linha, declara cair sobre SEU colo o erro que
cometer.
A individualização
deste desafio revela um desvio de tal intensidade que ronda a
patologia psicológica. O que levará o autor da frase a esquecer
que, se erro houver na sua decisão, o ônus do erro caberá ao povo?
Serão milhares, dezenas ou centena de milhares de colos, e não só no
SEU, onde tombarão as consequências.
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Dois Vetores e Uma Eleição
Podem ser muitas as
críticas contra Donald Trump, mas jamais será dito que é burro. O
presidente, pelo contrário, exibe alto gráu de inteligência. Não
raro, muitas das decisões que vem tomando recentemente podem
parecer duvidosas senão nocivas, porém se inseridas no contexto de
sua ambição política em busca de reeleição é possível nelas
encontrar nexo.
O presidente que tem
diante de si o objetivo eleitoral, tudo mais parece irrelevante.
Enfrenta o desafio privilegiando dois vetores: um ativo, de teor
econômico, e segundo, passivo: defender-se do coronavírus.
No campo econômico
tem-se o modesto crescimento pré crise, onde o PIB apontava para um
crescimento de modestos 2,1% em 2020. Insatisfeito, Trump buscou
turbinar a economia ao reduzir a competitividade externa mediante
uma profunda revisão nos termos de troca vigentes com a China e
outros países.
A alta tarifária das
importações foi atingida, porém, ainda são indefinidos os efeitos
sobre a economia real, uma vez que o aumento no preço dos produtos
importados poderão, ou não ser compensados por uma maior
produtividade local. Dentre os países prejudicados por esta política
está o Brasil, “aliado especial” dos Estados Unidos, penalizado
em suas exportações de aço e minério e outros.
Considerando-se
vencedor no conflito comercial, viu elevada suas chances de vitória
eleitoral em novembro. Após ásperos diálogos, reconciliou-se com o
líder chinês, que poucas alternativas tinha para conter o colosso
norte-americano. O fluxo comercial caminhava para um novo normal.
Eis que surge a crise
do Coronavírus...
Quanto ao vetor
sanitário, de início, o presidente cometeu grave erro político ao
menosprezar a pandemia, contando que fosse ela tênue e passageira.
Tendo posto suas fichas no tabuleiro da expansão econômica,
anunciou que a partir de abril “America will be raring to go!”¹
Revelou ter desprezado a intensidade e a expansão do perigo apesar do
ocorrido em outros países. Por resultado acabou soterrado pela
escalada da contaminação, levando o país
à maior mortandade no quadro médico mundial. Assim, o presidente
expôs-se às críticas e à consequente fragilização eleitoral.
Face à nova realidade,
julgou necessário desviar-se do ônus político; joga a culpa em
Tedros Adhanon, o agora responsabilizado e demonizado presidente da
Organização Internacional da Saúde. Segundo Trump o Dr. Adhanon,
em conluio com a China, teria, propositadamente, subtraído informações
relevantes, assim impedindo o combate ao vírus.
Contudo, Donald Trump
parece ser o único mandatário no planeta que o acusa de de tal
malfeito, fato que fragiliza, se não anula, a veracidade da
acusação. Ao interromper a habitual contribuição norte americana para
o OMS acentua-se a fragilidade da saúde mundial.
Demonstra o presidente
Trump não somente a falta de limites em sua ambição,
como revela uma visão global refratária à solidariedade face ao inimigo comum. A prosseguir o longo rosário de retiradas de
organismos e tratados internacionais² ter-se-a o paulatino desmonte
da estrutura consensual e conciliadora essencial à paz mundial.
(1) “doido
para avançar”.
(2) Os
Estados Unidos, sob a atual presidência retirou-se do:
- Tratado de Paris – proteção do Meio Ambiente
- Tratado anti nuclear com o Irã
- UNESCO (organização internacional de cultura)
- Organização Mundial do Comércio (impede sua operacionalidade)
- Retira sua contribuição à Organização Mundial de Saúde
domingo, 12 de abril de 2020
A trinca se desfaz?
Chega a boa notícia que Boris Johnson, Primeiro Ministro do Reino Unido volta para 10 Downing Street. Derrota o Coronavírus e retorna às lides políticas. Será o Primeiro Ministro o mesmo que quando de sua internação defendia teimosamente o dogma liberal, ultra conservador? Ou, talvez, o episódio sugira novas dúvidas, revele novas conclusões, proponha revisão de conceitos redundando em reavaliação de realidade?
Preliminarmente, Johnson constata que a infecção do Corona virus nada tem de "gripesiha". Bem pelo contrario, sua passagem pelo CTI onde seu sistema respiratório exigiu a invasiva ajuda mecânica, demonstrou ter estado ele em risco de vida. Evidenciou-se quão grave foi sua passagem pelas sombras da morte.
Compreendeu que a pandemia exige respeito, ser levada a sério, pois se em seu caso, homem de 55 anos, o risco de óbito foi iminente, o será, também, para uma relevante parcela de seus conterrâneos e eleitores. Será que tendo escapado da armadilha viral lhe restará outra opção senão a da
severidade no combate ao flagelo?
Também importante foi seu reconhecimento da eficacia do estatal Sistema Nacional de Saúde britânico, até ontem instituição menosprezada pelos economistas e políticos liberais, dentre eles o Primeiro Ministro, em busca de privatização.
Não deixou de observar e divulgar que dentre aqueles que salvaram sua vida, cumprindo papel destacado, estavam pelo menos dois imigrantes, um português e uma neo zelandesa. Imigrantes cuja presença na Grã Bretanha é constantemente condenada pelo breviário Tory.
Em dimensão mais ampla, Boris Johnson terá também constatado que a globalização é inevitável. Com seus enormes benefícios e ocasional malefício. Os aviões que trouxeram, turistas e homens de negócio, e com eles uma prosperidade nunca d'antes vista, são os mesmos que trouxeram o vírus. Os passaportes e documentos pessoais que abrem as portas para a prosperidade mundial decorrente do intercambio de fluxos materiais, financeiros e culturais continuam essenciais ainda que sejam os mesmos que, há meses, abriram as portas à pandemia. Perceberá que será a globalização que tornará mais rápida a normalização social e a recuperação da economia mundial ?
Razoável supor-se que a recém experiencia sofrida pelo mandatário inglês não será inconsequente. Terá Boris Johnson uma nova persona política? Perdurará a continuidade ideológica da trinca Trump, Bolsonaro e Johnson, face a sua experiência recente? A visão da foice muito ensina... O ditado inglês parece apropriado: "The sight of the gallows sharpens the mind".
domingo, 5 de abril de 2020
A Política Externa pró Brasil
Além de ameaçar a saúde e a economia dos brasileiros o Covid-19 impõe uma reflexão sobre a política externa brasileira. Tem ela forte influência sobre como trilhará o Brasil ao arrefecer da pandemia e ao retornar-se à normalidade
Esta não será plena, uma vez que os efeitos do atual desmonte da sociedade se farão sentir por alguns anos. Afastada a ameaça à saúde restará a reconstrução econômica. Ao governo Bolsonaro caberá assegurar que todos os fatores sejam mobilizados para acelerar reconstrução econômica do país.
Para tal terá as opções tanto para iniciativas de cunho interno quanto e àquelas de cunho internacional. Sob a batuta do ministro Paulo Guedes pode-se prever que será mobilizado o instrumental adequado para reverter o inevitável quadro recessivo que ora ameaça o país.
Desafios como o retorno aos níveis necessários de emprego, da recuperação do consumo das famílias, da capitalização das empresas, da fluidez dos mercados, da retomada dos investimentos, da estabilização da moeda, da restauração do equilíbrio orçamentário, da contenção da inflação, do reequilíbrio das contas externas, todos estes estarão na lista das prioridades. Todos são objetivos atingíveis, mas não sem a participação dos atores internacionais.
Tanto o comércio internacional quanto o fluxo positivo de capitais externos serão essenciais à retomada da economia brasileira. Quanto mais eficaz a mobilização da boa vontade internacional, mais intensa e veloz será a recuperação e o alcance das metas desejadas.
O sucesso desta tarefa decorrerá, em grande parte, da habilidade na condução a política externa brasileira. A crise que hoje assola o mundo, e o Brasil em particular, tem revelado comportamento variável de nossos parceiros além fronteiras, onde a convergência de interesses nem sempre está presente. Submetidos à recessão, os parceiros terão comportamento variável.
Dentre os fatores que regem o comercio, preponderá o grau de dependência mútua. Dela decorrerá a formulação das prioridades. Nesta categoria se constata o comercio com a China; onde os bens agrícolas e minerais lhe é essencial. Do lado brasileiro, o interesse em exportar tais produtos também nos é imperativo. Neste quadro, acresce o fato de que a China vem sendo, também, o maior investidor externo em empreendimentos locais, assim gerando empregos essenciais à recuperação que se aproxima.
Perturbar este equilíbrio virtuoso poderá ter por consequência nefasta a prazo médio. Lembrando a perda do domínio dos mercados de assucar, café e borracha, a singularidade do Brasil pode ser temporária. O fornecimento de carne, soja, minérios se manterá na medida que o fluxo seja confiável e lucrativo para ambas as partes. Em caso de frustração, o desenvolvimento por Pequim de outras fontes de suprimento é provável. Por exemplo, soja a ser plantada na África, cujo clima se aproxima do brasileiro, talvez alcançando produtividade semelhante, seria um desastre para nossa agricultura e balanço de pagamentos.
Hoje a política externa brasileira está refém de objetivos ideológicos. Estes não podem manter a relevância atual, pois são de cunho subjetivo e desequilibram o peso dos fatores essenciais à formulação dos interesses do país e de sua população. Seguindo esta linha, o país se torna dependente de "líderes" externos, estranhos, e mesmo antagônicos ao interesse nacional.
Ainda, impor ao Brasil a camisa-de-força ideológica pode se revelar contra-producente. Como exemplo negativo, uma aliança militar com os Estados Unidos, tal qual a ora vigente, pressupões tendência ao conflito e à exclusão de parceiros desejáveis. Tal aliança, de intrínseco teor bélico, contamina a politica externa brasileira, levando-a à asperezas diplomáticas contrarias à aos seus objetivos permanentes. Reduz a potencial multiplicação dos mercados.
Mas, também importante, será reduzir, no tempo, a dependência excessiva desta ou daquela nação. Para tal, o quadro de parceiros desejados deve conter aqueles cuja conformação favoreça a complementariedade.
Hoje, Brasilia se indispõem com parte da Europa e não raro esgarça sua relação com a China. Na derrota do Virus, as portas do país devem permanecer abertas à todas as nações para privilegiar a recuperação de sua economia e o bem estar do povo, cuja penúria e sofrimento em breve atingirá seu climax. Não mais cabe o "luxo" de teorias exóticas e errôneas como o "terra-planismo" que condena a solidariedade global.
O Brasil exigirá, nos próximos meses, pressa e eficácia e, sobretudo, bom senso.
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