quinta-feira, 27 de junho de 2019

Responsabilidade e cocaína





O sargento estava feliz. Em poucos momentos aterrissaria na bela cidade de Sevilha, joia espanhola. As próximas horas seriam para ele importantes. Arrumou sua maleta e preparou-se para o desembarque.

O pouso perfeito, o avião taxiou no terminal. Oficiais da Aeronáutica à frente, desembarcam,seguidos dos seus subalternos. O Embraer 190, reluzente emoldurava a garbosa unidade da força Aérea Brasileira. Exibia um certo porte altivo, uma ponta de orgulho natural ao soldado em terra estrangeira. 

Já completos os trâmites para a entrada na ensolarada  Espanha, ocorre o tumulto. Vozes alteradas e peremptórias, empurra-empurra, imprecações revelam que nem tudo está bem, No núcleo da alteração observa-se três forçudos Guardias Civiles cercando um sargento brasileiro. Um major da Força Aérea tenta interferir, alertando para o status dos desta missão de apoio ao Presidente da República Federativa do Brasil. Momentos de tensão, de orgulho ferido.

_ Como Comandante desta unidade exijo respeito e livre passagem. Estamos em missão oficial.

Sem alterar-se, o tenente da Guardia Civil, de forma discreta, quase inaudível, informa o oficial brasileiro  do problema surgido: o sargento Silva Rodrigues desembarcara com 38 quilos de cocaína na sua maleta. "O elemento está preso", disse.

A consternação assalta a comitiva militar brasileira, ferida e humilhada na alma e na farda. Ferida, ainda, na perda do respeito decorrente, não só pela gravidade da falta mas , também pela sua baixeza moral. Desmanchava-se assim, a missão do escalão avançado.

Em suma, um fiasco.

E porque? Como poderia,dentro dos estritos limites disciplinares que devem reger toda ação militar, poderia acontecer tal fato. O avião precursor não era uma ruela de favela, uma boca de fumo. Era, possivelmente,  o território brasileiro mais resguardado do país dada a cobertura militar dos parcos metros quadrados que limitam a aeronave.

Como podem 38 quilos de cocaína entrar pela porta de uma avião da Força Aérea sem que haja detecção? Que outros produtos de potencial perigo poderiam infiltrar-se no avião? Explosivos, armas  levados por um militar desesperado e suicida?  O mesmo risco existiria no avião presidencial? Porque não?

Para maior tumulto sobre a matéria, o General Heleno acaba de alegar falta de verba para assegurar a necessária fiscalização! Quanto custaria um cão farejador na porta do avião?

O incidente revela, ainda mais grave, a amadorística seleção dos membros que compõem a tripulação que tenha por responsabilidade a salvaguarda dos interesses do Presidente da República. Onde está a triagem pela Polícia Federal e dos serviços de inteligência, em busca de desvios comportamentais, que deveria se aplicar regularmente àqueles que exerçam funções próximas ao primeiro mandatário?

Pelas notícias da imprensa, o trêfego sargento já participara de viagens de presidentes anteriores.  Observa-se, assim, que a falha é estrutural e não episódica.  Onde estará o sentido de responsabilidade nesta incontida tropicália? 

quarta-feira, 19 de junho de 2019

O que fazer na Política Externa?

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Sem dúvida, Donald Trump chegou para sacudir as relações internacionais. Divergindo do conselho de Ted Roosevelt, "speak softly and carry a big stick", o atual presidente apenas carrega, e usa, o grande porrete sem se preocupar em falar suavemente.

Enquanto o presidente norte-americano semeia a apreensão através das fronteiras que dividem o mundo, desrespeitando contratos, abandonando tratados, lançando tarifas como se fossem dardos, não é raro encontrar-se brasileiros que o admiram e apoiam.

Assim sendo, importa que, em Brasilia, os formuladores da política externa percebam que os laços que unem este país ao colosso americano precisam ser dosados, favorecidos porém não sendo incondicionais.  Inegavelmente, os dois gigantes americanos (1), além de compartilharem uma história multi- centenária de convergência política  e econômica tem interesses comuns em manter a estabilidade política nas Américas,. Ambos são países que privilegiam a democracia e a economia de mercado.

Contudo, por seu lado, a política externa brasileira deve basear-se sobre seus interesses, não apenas os imediatos , mas, também, os de longo prazo que ultrapassem as realidades do momento. A boa compreensão dos fatores geo-políticos que cercam a nação é essencial para guiar o intercâmbio dos interesses nacionais bem como a formação de alianças. Sob alguns aspectos os dois países, Brasil e os Estados Unidos, nem sempre são complementares, não raro sendo competidores. No campo do comércio exterior, os dois países são concorrentes. Levando-se em conta a  pauta de exportação nacional, onde as commodities preponderam, constata-se rivalidade.

A relegar-se este contencioso comercial à negociação entre as partes, inevitável seria a balança pender para o mais forte, com prejuízo para o Brasil. Contudo, as fortes tensões que por vezes  resultam tem sido atenuadas quando não dissipadas graças à intervenção de instituições ancilares à Organização das Nações Unidas tais como a OMC (2), que permite a mediação e a arbitragem.

Quanto à dependência brasileira nos mercados financeiros internacionais, o ingresso de capitais IDP(3), estes proveem, em sua maior parte, da União Europeia e da China, ocupando os  Estados Unidos o terceiro lugar. Curioso constatar-se que a contribuição da União Europeia para com o investimento direto no país é duas vezes superior daquele proveniente dos Estados Unidos.

Quanto à política continental seguida pelo Brasil, esta difere, substancialmente, d'aquela adotada, mundi et orbi, pelos Estados Unidos. Para  Washington, a América do Sul em geral e o Brasil em particular, são peças menores de xadrez em tabuleiro que abrange o planeta. Neste jogo, o sacrifício de peças é, por vezes, necessário. Ainda, sob a ótica de Foggy Bottom(4) mais vale um Brasil adormecido do que vigoroso. A influencia norte-americana sobre a América do Sul tão mais forte será quando menos relevante for o Brasil.

Herdeiro da política pacificadora de Rio Branco, o Brasil, apoiado em sua dimensão econômica, geográfica e demográfica soube usar influência construtiva junto a seus pares sul americanos. Seu poder sempre foi brando e pacífico rejeitando demonstração de força, permitindo-lhe, desta forma, a autoridade moral de mediador nos conflitos sul-americanos.

Dono de extensas fronteiras de difícil proteção, o Brasil entende que sua integridade depende da prevalência de ambiente pacífico na região, longe de alianças de potencial bélico. Para Brasilia, conflitos no seu entorno, mesmo sem hostilidade direta, representa desequilíbrio político indesejável.

Desta forma, a recente divulgação de uma propalada "aliança especial com os Estados Unidos" exige um melhor conhecimento de suas condições para que o Congresso brasileiro possa avaliá-la. Quais as obrigações recíprocas em tal tratado? Ainda neste tema, causa preocupação a aventada designação do Brasil como aliado "junior" da OTAN. Perseguindo os Estados Unidos uma política afirmativa que hoje confronta a China e a Rússia no outro lado do tabuleiro geo-político, e tendo a OTAN o declarado objetivo de "conter a expansão russa"(5), torna-se-á difícil para o Brasil participar de tal aliança sem comprometer o bom relacionamento, político e econômico, até hoje existente, com aqueles dois países.

Observa-se, assim, que a construção da política externa brasileira, nestes tempos instáveis, tanto no campo econômico quanto no político, requer bem mais do que preferências eleitorais ou ideológicas.

1. Excluído da definição tendo em vista  a pequena população do Canadá.
2. Organização Mundial do Comércio
3. Investimentos Diretos no País
4. Apelido para o Itamaraty norte-americano
5. Fareed Zacharia, respeitado cientista político norte-americano, advoga ser o confronto de responsabilidade mútua (Vide a publicação "Foreign Affairs) 


terça-feira, 11 de junho de 2019

A hora da decisão

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É preciso apoiar o governo Bolsonaro. Seu fracasso, mesmo que parcial, poderá trazer de volta o Partido dos trabalhadores e sua formula divorciada dos interesses nacionais.

No momento tem-se o excepcional desafio de reequilibrar as finanças publicas para que possa o Brasil assegurar sua prosperidade futura. Para tanto o presidente precisará concentrar o máximo de seu poder político tendo este objetivo como prioritário.

Contudo, a divisão de suas forças políticas onde a sintonia se limita à lealdade para com Jair Bolsonaro, revelam inconstância e divergencia no que se refere às políticas a serem implementadas.

Um grupo palaciano é composto por "olavistas", liderado por um senhor que se auto-denomina filósofo sem que tenha conquistado o diplôma para tal,  e, ainda, tendo por discípulos pessoas de  personalidade mais dada ao ímpeto do que à reflexão. Este colide com um segundo grupo, composto por oficiais generais, de perfil moderado, tendo evidente lastro intelectual.

Assim, evidencia-se uma forte clivagem política no tôpo da pirâmide, minando eficiência na execução da política desejada. Fica evidente qual deva preponderar junto ao Presidente. Tal escolha torna-se exigência da Nação pensante.

Mas, para tanto, o bom senso recomenda a abordagem do desafio perseguindo duas vertentes. A primeira pede foco, prioridade em empreender ações convergentes que levem o Parlamento a apoiar e votar a reforma da Previdência, pedra angular do edifício econômico que o governo pretende erigir. Já, na segunda vertente,  busca-se incutir no ethos popular (e por consequência, político) o sacrifício e desgraças que resultariam da ausência desta reforma, resultando num Brasil diante do colapso fiscal.

Ora, a conquista das mentes e corações do estamento politico é tarefa de imensa complexidade, pois para tal ter-se-á que harmonisar uma míriade de interesses, se não conflitantes, certamente concorrentes. Para tal, o estoque de bondades é curto, já o de maldades melhor usá-lo com parcimônia.  Neste cenário limitante, terá o Executivo que cunhar a moeda de troca pelo voto desejado.

Assim, a própria escassez de benesses aconselha não dispersá-las,  e, sim, concentrá-las, visando o alvo imperativo, o primordial  objeto do desejo político. Por consequência, não deve o governo permitir a poluição de seu governo, em busca de objetivos menores e controversos. Perde, assim, preciosa energia política ao buscar unidade entre seus colaboradores, essencial à consolidação de sua força no campo parlamentar, enquanto o principal está por conquistar.

Estabelecida uma estratégia coerente com a prioridade desejada, e levando em conta os escassos recursos políticos e financeiros, terá Jair Bolsonaro o caminho livre para tornar-se um grande presidente.