terça-feira, 28 de agosto de 2012

A  CIGARRA E A FORMIGA
Nosso finado amigo Jean de La Fontaine há de desculpar este semi-plágio, porém difícil é não atribuir à Frau Merkel  e à Monsieur Hollande a caracterização que lhes compete.
A fábula se desenrola em dois tempos, o do calor e da abundância e o outro, dos ventos gelados e da neve frígida. No primeiro, tudo era fácil, quando a todos cabia uma parcela de prosperidade. Embalados pela ilusão do recente, desenfreado e instável capitalismo anglo-saxão, os adeptos da cigarra acreditaram na bonanza permanente, distribuindo dentre seus habitantes as benesses da crescente riqueza. Não por acaso, a cigarra viceja no calor, calor que se observa na Europa meridional, tendo a França por fronteira entre as duas espécies.
Já a turma da formiga habita as terras frias da Europa septentrional, o que lhe dá a natural propensão à acumulação e à prudência nos gastos, sabendo que pouco ou nada viceja sob o alvo mar de neve. Os Germânicos  souberam  atenuar as conseqüências da exacerbação especulativa preparando-se para os tempos de penúria.
Mas para confundir o notável fabulista francês, e contrariando sua criação, ambos os protagonistas cometeram ato relevante e determinante. Tanto a cigarra  como a formiga passaram a morar na mesma casa, sob o teto dourado do Euro, sem poder alegar desconhecer as diferentes personalidades daquele incipiente condomínio.  Assim, a cigarra Hollande e a formiga Merkel constataram que, chegado o inverno o desguarnecido armário do primeiro  contrastava com a abundância da dispensa da segunda. Assim, inverte-se  a bela lição de moral de La Fontaine, onde, por habitar endereços diferentes, o imprevidente era abandonado à própria sorte e o prudente era premiado. Já o fato de ambos os simpáticos insetos compartilharem o mesmo teto, torna-se inaplicável  as conseqüências  do preceito moral que defendia o escritor seiscentista.
O observador perguntar-se-ia se tal co-habitação fora forçada, mas ao constatar que tanto a formiga como a cigarra lançaram-se ao novo e comum endereço com regozijo e entusiasmo, altera-se o foco moral, cuja pertinência era somente  válida enquanto as moradias fossem separadas. Ora, a vida em comum pressupõe, sobretudo, solidariedade, ainda que prudente e comedida, e na sua falta o compartilhar não faria sentido.
Hoje, a Sra. Merkel castiga em seus discursos a irresponsabilidade de seus co-habitantes, fazendo-se esquecida que a própria Alemanha desrespeitou a regra da nova casa, ou seja,  a obediência ao comportamento fiscal acordado no Tratado de Maastricht.  Tiveram eles, também, seus momentos de cigarra, corrigidos graças à incomparável disciplina do povo Alemão que, em tempos não tão distantes, impunha sua vontade à Europa. Pretender que o Senhor Hollande possa domar com a mesma facilidade um povo que já decapitou reis e derrubou imperadores, com nítida preferência pelas barricadas, equivale a abandonar o entendimento da dimensão do  problema que as cigarras da Europa enfrentam. Sem compreensão, diálogo e ajustes não haverá solução possível. Assim a casa cai.

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