segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Iniquidades






"Details still emerge weeks after Israeli troops violently arrested an 80-year-old Palestinian. Omar Abdalmajeed As'ad was bound, beaten and tossed to the ground. An autopsy found that the brutality he suffered resulted in a fatal heart attack, but arrests are yet to be made."

Jornal Israelense: Haaretz, 28/01/202

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Nestes dias de triste lembrança do inominável Holocausto, são inúmeras as manifestações de pesar, vergonha e indignação face à brutalidade Nazista contra o povo Judeu, contra a Humanidade. Na Alemanha de então o conceito do Ariano como "Raça Eleita" justificava  o comportamento cruel, sistemático, insensível prepotente. Destruíam-se as pontes da empatia e dos limites à crueldade.

Justo dizer-se que, ainda que à socapa, foram muitos os alemães, dignos e corretos, que rejeitavam o cruel conceito, onde tudo era permitido na busca dos proclamados "superiores interesses" da  Nação.

Esta página da história encerrou-se em maio de 1945. A humanidade presenciou, e aprendeu, quão perigoso é a submissão da razão, da ética, às imposições de uma pretensa "vontade coletiva". Não raro,  indivíduos, comunidades e etnias submetem-se à visões ideológicas, atropelando à primazia da ciência e da razão, da tolerância e da compaixão.

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O velhinho Omar (80 anos, desarmado) pagou o preço de ter nascido Palestino. De estar no lugar errado, no momento errado. Foi espancado por uma unidade militar israelense. Não mais acordou. 

Nenhum individuo, comunidade ou nação está acima da obrigação de agir com equidade e justiça, sobretudo quando faz parte do que se chama de civilização Ocidental. A busca da supremacia, tanto política quanto ideológica mina e corrói a percepção do Bem e do Mal. O sábio Espinosa, notável filósofo de origem judaica, alertava para o perigo que traz a subordinação da razão e da ciência às exigências dos cultos.

Israel, a terra da esperança nascida em 1948, enfrentou, como muitos países no passado, as dores e traumas do nascimento, lutando, com sucesso pela sua soberania. Na evolução de sua expansão absorveu diversas etnias (árabes, drusos, beduínos) e territórios de outros países (Egito, Jordânia, Síria). 

Neste processo,  ao abandonar o status anterior,  tornou-se formalmente em 2014 um "Estado Judeu" em justaposição ao "Estado Islâmico" iraniano. Relega, assim, pela nova hierarquia politico-religiosa, seus cidadãos não judeus à uma status inferior, tanto no país quanto nas regiões dominadas. Alimenta-se, assim, a descriminação e o conceito de desigualdade, impondo aos cidadãos importância relativa.   

A hostilidade sangrenta que ainda perdura na terra Palestina, após mais de 70 anos de ocupação Israelense, decorre, em parte relevante,  da política de não absorção e inclusão das minorias, em Israel e em seu entorno, pela sociedade dominante. Dominar sem incorporar tem por consequência a eternização das diferenças e a perpetuação da violência.  

Ao dominador a responsabilidade.

NR - 02/02/2022

Em notícia do New York Times é revelado ser Norte Americana a nacionalidade de Omar Abdalmajeed. Resta saber qual a providência a ser tomada pelo Departamento de Estado vis-a-vis as autoridades israelenses face ao assassinato.

NR - 05/02/2022

Em 04/02/2022 o New York Time relata  o comunicado do Departamento de Estado à Israel exigindo a punição dos comandantes da unidade militar israelense sem exigir a identificação dos soldados diretamente envolvidos, nem exigir que sejam eles levados aos tribunais. Fica evidente a diferença de tratamento fosse diversa a etnia do cidadão americano morto.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O Sacrifício


                                                                               

Para aqueles que acompanhavam seus escritos, Paulo Guedes merecia respeito e admiração. Ainda jovem, demonstrou maturidade nas suas análises e críticas no mundo da economia, por vezes castigando os governantes de plantão e propondo política econômica nos moldes da Escola de Chicago. Talvez,  excessivamente crédulo da "Trickle down economy", ocasionalmente pecasse por esquecer as necessidades do "andar de baixo", mas respeitava a ética e a racionalidade.

Agregando-se à equipe do candidato Bolsonaro, o economista deu substância eleitoral ao Capitão, propondo e formatizando uma visão econômica liberal e disciplinada. Era o repúdio aos desmandos e desvarios de Dilma Roussef. À sua mensagem econômica juntou-se à imposição ética, tendo Sergio Moro como garante. 

Não funcionou. Nem as reformas econômicas ocorreram, nem a ética foi assegurada. Paulatinamente, Jair Bolsonaro alterou suas prioridades iniciais, enunciadas durante sua campanha eleitoral. Tendo por obstáculo sua personalidade voluntariosa e instinto populista, não consolidou o apoio político essencial ao projeto. 

Colocando-se no lado errado da pandemia ao opor-se às medidas profiláticas, perdeu a adesão da base eleitoral, buscando-a no imediatismo político. Premido pelos objetivos eleitorais, não mais persistiu no ideário reformista, abandonou a ortodoxia abraçando o populismo que lhe daria a vitória nas urnas. Procurou no Centrão a cornucópia eleitoreira, assim consumando-se a destruição de um projeto.      

Neste cenário caleidoscópico, de fraqueza em fraqueza, o ministro da economia foi cedendo, abandonando as referências para o bem governar. Chega, assim, à um capítulo derradeiro, ao virtual desmonte do Teto de Gasto, colaborando com a implementação de "pedaladas" secretas e calotes precatoriais...Manteve-se fiel ao chefe, mas não mais às suas convicções passadas. 

Tal qual punição mitológica, os jornais decretam hoje a triste e indesejada oficialização de sua irrelevância, ao proclamar uma novidade político-administrativa: como destituir um Ministro sem tirá-lo da pasta. O senhor Presidente, traindo seu companheiro de caminhada, em jogada de mestre urdida pelas melhores mentes do Centrão, impõe o "nihil obstat" da Casa Civíl às determinações de Paulo Guedes. Oficializa-se, assim, a subordinação da Economia à Política. 

Mais um efeito autóctone, uma nova "jabuticaba" no repertório político brasileiro.

E assim fragiliza-se a biografia de um homem admirável, que oferecia esperança...


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Salvação ou Precipício?

                           

                                         


Será razoável dizer-se que o advento da tecnologia virtual acelera a experiência humana e potencializa a imaginação. Ideias e concepções que outrora abortavam no nascedouro, esmagadas pelas  dificuldades de sua realização, hoje, turbinadas pela computação, se transformam em realidade.

...e, em alguns casos, superam a realidade, vão além. Hoje, nada exemplifica melhor esta observação do que o advento do projeto Meta-verso, tendo o Facebook por parteiro. Dando sequência a ubiquidade que nos traz as redes sociais, onde mais de bilhão de seres compartilham o momento, ter-se-á, em breve, a potencialização das relações humanas em quadro etéreo de socialização virtual.

Esta empreitada. com claro objetivo comercial, envolve e captura a vida diuturna das pessoas, sendo elas  transformadas em peças de um gigantesco jogo de "faz de conta", um jogo de custo social e psicológico ainda insuspeito.

Nesta imersão, os indivíduos, cada qual representado por um "avatar"¹, adentram um ambiente virtual, onde a inter-relação social se desenvolve nos níveis das ideias, crenças e emoções, abrangendo, ainda, a derivada econômica. Integrada ao projeto, a teia comercial que como corolário se desenvolve cria seus produtos e os comercializa na dimensão virtual, tendo por moeda corrente o já criado Non Fungible Token, mais conhecido como NFT. Este, servirá de instrumento base para a troca, tanto de ativos simbólicos quanto de ideias.

O quadro vendido pelo artista real neste Meta Verso terá uma única cópia eletrônica (vide NFT acima) sendo o original destruído. Tal fórmula aplicar-se-á ao "uso" do vestido e acessório comprados ao  Hermès ou à "visita" ao suntuoso palacete projetado por um arquiteto de renome (os planos deletados).  Abrem-se as comportas para um comércio real, ainda que imaterial, onde não mais será necessário  o trabalho físico e intensivo que alimenta os pobres. 

Neste nível virtual, palco da ostentação e competição argentária, o operariado perde sua relevância em benefício do artesão cibernético. Gradualmente altera-se a equação sócio-econômica, onde o físico, gradualmente desprezado, é substituído pela imagem.  

"Ad absurdum",  abrir-se-ão as comportas para um Mundo Imaterial no qual, se recursos houver, o Avatar residirá, ausentando-se de seu novo habitat tão somente para atender suas necessidades fisiológicas.

A partir deste projeto, justo prever-se a inclusão de boa parte das atividades humanas. Da arte, ao comércio, ao turismo, ao sexo, à academia, ao jogo e tudo mais que compõem o que se considera "Vida".  Esta existência, contudo, ainda que livre da dor e do gozo físico, mais exposta será aos desafios que invadem o psique e a  mente. Do lado positivo, tal ambiente será favorável à criatividade e à inter relação cultural, abrindo-se novas portas para o intercambio das ideias e pensamentos. 

Será um jogo para a elite, para aqueles não manietados pela exigência da sobrevivência. Serão os abastados, para quem a imposição da luta diuturna não é imperativa. Ou para aqueles que, capturados pela armadilha do sonho, sucumbem à atração lúdica de uma vida idealizada sem sustentabilidade.

Porém, pouco a pouco, reinstala-se a inevitável rotina, ressurgem  as invejas Frustrações, decepções e traições retornarão a compor o quadro inevitável da vida.

Mas haverá, também, aqueles que saberão adaptar-se e dominar este novo ambiente, atingindo enorme satisfação e  riqueza, vendendo produtos irreais, gerando ideias, criando necessidades e oferecendo gratificação.   

Ao buscar este novo caminho, surgirá uma nova porta vivencial; o Homem inicia a caminhada para um novo mundo, desertando aquele que o criou, onde sua permanência será cada vez menor. Entrega-se ao novo experimento onde os interlocutores, não mais plenamente humanos, terão sua "persona" maquiada pelos algoritmos. Os olhos alheios não mais refletirão a alma, estes escondidos na névoa dos bits e bytes.  


sábado, 1 de janeiro de 2022

HOMENAGEM AO SUS




2021 foi um "Annus Horribilis'. Dir-se-ia que pior teria sido 2020, ao surgir o temível Covid 40, porém aquele foi o período de perplexidade, quando o planeta tentava encontrar a solução, a salvação. De fato, encontrou-a; graças ao notável desenvolvimento dos computadores, as vacina foram  criadas, os procedimentos identificados, e o comportamento social  determinado.

O caminho para 2021 estava mapeado: isolamento, máscara e vacina. Obedecendo esta tríade virtuosa dar-se-ia aos 200 milhões de brasileiros, não a imunidade, mas, sim, a contenção na disseminação do virus, e a derrota da pandemia.

Porém, a Ciência não contava com o mais letal agente, este de natureza política. Um político brasileiro, guindado à presidência do Brasil, resolveu, tendo por base profunda penúria cultural e desmedida ânsia eleitoral,  rejeitar as medidas que pudessem vir a prejudicar um ambiente eleitoral favorável, seja pelo confinamento e qualquer outra iniciativa restritiva ao crescimento econômico. 

Abraçou o líder o mais comum dos erros naturais ao tropicalismo: o imediatismo, onde o Hoje prevalece sobre o Amanhã. Mas não é tudo... Para impor sua vontade, aliou-se o Capitão à caterva dominante no Congresso da República, restaurando a prevalência da corrupção na politica brasileira. Ainda, como consequência do novo rumo político empreendido, este visando o sucesso eleitoral em 2022, abortaram-se as reformas econômicas anteriormente prometidas e renasceu a anemia fiscal turbinada pelo recém exposto Orçamento Secreto.

As privatizações, a reforma fiscal cederam lugar às prioridades eleitorais.

Naquilo que hoje é seu Calcanhar de Aquiles, impera a anomia no Ministério da Saúde, nas mãos de um senhor Queiroga, que, em estreita consonância com o Planalto, propugna o direito do cidadão morrer antes de dobrar-se ao interesse comum da vacina. Nada entende, nem de saúde pública e suas imposições, nem de democracia e os seus limites, estes  impostos pelo bem público. 

Igualmente grave, sofre a Justiça grave dano. Ao forçar a demissão em 2020 do Ministro da Justiça Sérgio Moro, o presidente desmontou a estrutura jurídica que combatia o crime, assim abrindo as portas para a soltura de Lula em março de 2021. Ao  salvar Flavio Bolsonaro do inquérito, paga-se preço insuspeitável. Ainda, a politização do Procurador Geral da República e dos novos indicados para Ministros do Supremo promete a prevalência do partidarismo nas decisões judiciais de suma importância para a Nação. 

E assim foi o Brasil, no ano que se encerra. Ano escuro sob a ansiedade da roleta viral, do purgatório das emergências, do sepultamento dos 600.000 brasileiros.

Mas resta um facho de luz resgatando o país de profunda escuridão; tem-se, ao longo de 2021, o notável desempenho do Sistema Único de Saúde, do Butantã, da Fundação Oswaldo Cruz, da classe médica, da enfermagem e de todos aqueles que se dedicaram, assumindo grave risco, à salvar as vidas de seus compatriotas.


1) O Ministro Luis Henrique Mandetta foi exceção